Mais uma mudança na jurisprudência do STF. Em boa hora, sua 1ª Turma – em recurso de que foi relator o ministro Luiz Fux – derrubou a linha de precedentes consolidados da própria corte e passa a admitir os chamados recursos prematuros.

Entre advogados, a recusa do recurso prematuro é tida como “um deplorável expediente empregado por certos tribunais para tentar diminuir pilhas diante do suposto excesso de trabalho”. Consiste em rejeitar, desde logo, recurso interposto antes da intimação da decisão contra a qual partes e/ou advogados se opõem.

Na prática, mesmo não sendo atrasado o recurso, se interposto antes do prazo ele era considerado intempestivo. Os primeiros precedentes parece terem sido criados pelo TST, na década passada, mas tiveram eco também em algumas decisões do STF.

“O Supremo recentemente alterou sua jurisprudência, para rejeitar acertadamente esse tipo de expediente, no julgamento do habeas corpus nº 101132” – alerta o advogado gaúcho Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Tendo ocupado vaga do quinto constitucional (Advocacia),  Alvaro de Oliveira é desembargador aposentado do TJRS.

A decisão do STF que passa a legitimar a interposição do recurso prematuro invoca, entre outros precedentes, a doutrina do próprio jurista gaúcho. Num dos seus trabalhos, ele enfrenta “o formalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo”.

No acórdão, o ministro Fux discorre sobre “a preclusão que não pode prejudicar a parte que contribui para a celeridade do processo”. 

O julgado também trata do “formalismo desmesurado que ignora a boa-fé processual que se exige de todos os sujeitos do processo, inclusive, e com maior razão, do Estado-Juiz, bem como se afasta da visão neoconstitucionalista do direito”. (HC nº 101132)

Leia a ementa do acórdão

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO INTERPOSTO ANTES DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO. CONHECIMENTO. INSTRUMENTALISMO PROCESSUAL. PRECLUSÃO QUE NÃO PODE PREJUDICAR A PARTE QUE CONTRIBUI PARA A CELERIDADE DO PROCESSO. BOA-FÉ EXIGIDA DO ESTADO-JUIZ.
DOUTRINA. RECENTE JURISPRUDÊNCIA DO PLENÁRIO.
MÉRITO. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO E CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. RECURSO CONHECIDO E REJEITADO.

1. A doutrina moderna ressalta o advento da fase instrumentalista do Direito Processual, ante a necessidade de interpretar os seus institutos sempre do modo mais favorável ao acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CRFB) e à efetividade dos direitos materiais (OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de). O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo. In: Revista de Processo, São Paulo: RT, n.º 137, p. 7-31, 2006; DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009; BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Técnica Processual. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010).

2. “A forma, se imposta rigidamente, sem dúvidas conduz ao perigo do arbítrio das leis, nos moldes do velho brocardo dura lex, sed lex” (BODART, Bruno Vinícius Da Rós. Simplificação e adaptabilidade no anteprojeto do novo CPC brasileiro. In: O Novo Processo Civil Brasileiro – Direito em Expectativa. Org. Luiz Fux. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 76).

3. As preclusões se destinam a permitir o regular e célere desenvolvimento do feito, por isso que não é possível penalizar a parte que age de boa-fé e contribui para o progresso da marcha processual com o não conhecimento do recurso, arriscando conferir o direito à parte que não faz jus em razão de um purismo formal injustificado.

4. O formalismo desmesurado ignora a boa-fé processual que se exige de todos os sujeitos do processo, inclusive, e com maior razão, do Estado-Juiz, bem como se afasta da visão neoconstitucionalista do direito, cuja teoria proscreve o legicentrismo e o formalismo interpretativo na análise do sistema jurídico, desenvolvendo mecanismos para a efetividade dos princípios constitucionais que abarcam os valores mais caros à nossa sociedade (COMANDUCCI, Paolo. Formas de (neo)constitucionalismo: un análisis metateórico. Trad. Miguel Carbonell. In: “Isonomía. Revista de Teoría y Filosofía del Derecho”, nº 16, 2002).

5. O Supremo Tribunal Federal, recentemente, sob o influxo do instrumentalismo, modificou a sua jurisprudência para permitir a comprovação posterior de tempestividade do Recurso Extraordinário, quando reconhecida a sua extemporaneidade em virtude de feriados locais ou de suspensão de expediente forense no Tribunal a quo (RE nº 626.358-AgR/MG, rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julg. 22/03/2012).

6. In casu: (i) os embargos de declaração foram opostos, mediante fac-símile, em 13/06/2011, sendo que o acórdão recorrido somente veio a ser publicado em 01/07/2011; (ii) o paciente foi denunciado pela suposta prática do crime do art. 12 da Lei nº 6.368/79, em razão do alegado comércio de 2.110 g (dois mil cento e dez gramas) de cocaína; (iii) no acórdão embargado, a Turma reconheceu a legalidade do decreto prisional expedido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão em face do paciente, para assegurar a aplicação da lei penal, em razão de se tratar de réu evadido do distrito da culpa, e para garantia da ordem pública; (iv) alega o embargante que houve omissão, porquanto não teria sido analisado o excesso de prazo para a instrução processual, assim como contradição, por não ter sido considerado que à época dos fatos não estavam em vigor a Lei nº 11.343/06 e a Lei nº 11.464/07.

7. O recurso merece conhecimento, na medida em que a parte, diligente, opôs os embargos de declaração mesmo antes da publicação do acórdão, contribuindo para a celeridade processual.

8. No mérito, os embargos devem ser rejeitados, pois o excesso de prazo não foi alegado na exordial nem apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça, além do que a Lei nº 11.343/06 e a Lei nº 11.464/07 em nada interferem no julgamento, visto que a prisão foi decretada com base nos requisitos do art. 312 do CPP identificados concretamente, e não com base na vedação abstrata à liberdade provisória, prevista no art. 44 da Lei de Drogas de 2006.

9. Embargos de declaração conhecidos e rejeitados.
Fonte: Espacovital.com.br