Saiu na Folha:

Padre suspeito de abuso é investigado por estelionato

A Polícia Civil investiga se o padre Anderson Risseto, preso anteontem sob suspeita de abusar sexualmente de seis jovens em uma casa do Morumbi (zona oeste), cometeu também estelionato. Foi pedida à Justiça a quebra do sigilo bancário dele.
Segundo o delegado Paul Henry Verduraz, há a suspeita de Risseto ter obtido doações e bolsas de estudo ilegalmente. O projeto que ele mantinha, o Comunidade Advento, acolhia jovens carentes.

E também publicado na Folha:

Empresa some e ameaça viagens de alunos

A viagem de formatura de aproximadamente 500 adolescentes para Cancún, no México, pela empresa Trip & Fun, está ameaçada.
Alunos de pelo menos três colégios localizados em condomínios em Alphaville, na Grande São Paulo, estão com voos marcados para as próximas semanas, mas não conseguiram falar com representantes da empresa (…)
Ontem, o delegado Celso Corrêa Júnior, do 13º DP (Casa Verde), determinou abertura de inquérito policial para investigar crime de estelionato por parte da empresa, cuja sede fica no bairro de Santana, na zona norte

Ambas as matérias falam do mesmo crime: estelionato, ou o famoso 171 (em referência ao artigo do Código Penal no qual o crime é descrito).

Ele é um crime contra o patrimônio no qual, ao contrário do roubo e da extorsão, o criminoso não força a vítima a dar a coisa para ele. No estelionato, a vítima entregou o patrimônio porque quis. Mas ela só quis dar porque sua percepção da realidade foi alterada por um artifício (uma ilusão material, como um disfarce) ou ardil (uma ilusão intelectual, como uma mentira) ou qualquer outro meio fraudulento.

Para que o crime ocorra, é necessário que, além da ilusão ou mentira, haja outros dois elementos: que o criminoso ou outra pessoa se beneficie ilicitamente de sua conduta criminoso e que a vítima sofra um prejuízo patrimonial.

Por exemplo, se na primeira matéria o padre enganou as pessoas dizendo que as doações seriam usadas para caridade e ele as usou para outra coisa, os doadores sofreram uma perda patrimonial (ficaram sem o dinheiro doado) e o padre recebeu um benefício ilícito (ficou com dinheiro que não lhe pertencia).

Se, por outro lado, a pessoa mente para receber aquilo que lhe é devido por direito (por exemplo, o cobrador convence o mau pagador a dar-lhe dinheiro para comprar sorvete, mas o dinheiro é usado para quitar a dívida), não é estelionato porque não houve uma vantagem ilícita. Mas houve outro crime, chamado exercício arbitrário das próprias razões.

Na segunda matéria acima, para que haja o crime de estelionato, é preciso que os donos da empresa de turismo (ou outras pessoas) tenham se beneficiado ilicitamente do valor pago pelos estudantes e os estudantes tenham sofrido um prejuízo patrimonial. Por exemplo, se  viagem é adiada, eles sofrem um prejuízo. Mas, digamos, que a empresa tenha ‘desaparecido’ hoje mas a viagem esteja marcada apenas para semana que vem. Entre hoje e semana que vem não seria possível dizer que houve estelionato porque os estudantes ainda não teriam sofrido o prejuízo (ainda que o dinheiro esteja na conta da empresa de turismo). Se a empresa surgisse semana que vem, com as passagens e reservas, os estudantes jamais teriam sofrido prejuízo econômico. Logo, não teria ocorrido uma perda patrimonial.

Mas, no caso da matéria, essa perda já ocorreu. Afinal, a viagem já foi adiada duas vezes.

Mas digamos que, no caso da segunda matéria, a empresa finalmente, apareça com as passagens e reservas. Como já vimos, já houve um dano. Sua atitude de tentar mitigar o dano  é o que chamamos de arrependimento posterior, o que é uma causa de diminuição de pena.

Existe mais um detalhe: se você assistir qualquer propaganda, verá que os marqueteiros criam verdadeiras ilusões a respeito dos produtos. Se eles passarem do limite do que é mera exaltação das qualidades do produto e passam a mentir a respeito do produto, praticam propagada enganosa. Mas essa é outra discussão. O ponto aqui é que nas relações comerciais há quase sempre uma tendência de tentar obter alguma vantagem para si.

Se essa malícia passa do limite dos padrões comerciais para convencer alguém a entrar no negócio, há o que se chama de dolo civil. Se houver dolo civil, o negócio jurídico entre as partes pode ser anulado. Mas se uma das partes, de cara, já havia entrado na negociação sabendo que jamais entregaria o que foi prometido apenas com o intuito de receber uma vantagem, recebe tal vantagem, e depois ‘dá o cano’, ela estará agindo fraudulentamente no sentido criminal. Nesse caso, o negócio jurídico é anulável e a pessoa responderá criminalmente por estelionato pois, afinal, seu ardil a levou a receber uma vantagem ilícita e a causar um prejuízo patrimonial. (Direito Folha).