balDeparamo-nos comumente com o uso do artigo 47 da Lei nº 11.101/05 como justificativa para se pleitear a concessão das Recuperações Judiciais calcada nos princípios basilares da lei, como o tão aclamado princípio da preservação da empresa.

No entanto, o que pouquíssimas vezes observamos é o uso do mesmo dispositivo para justificar a impossibilidade da concessão, calcado na preservação dos interesses dos credores.

Analisando o referido artigo, que espelha os princípios basilares da lei como um todo, verifica-se que o legislador procurou tutelar não apenas as empresas em crise, mas também o por vezes esquecido “outro lado” – os credores – que também deverão ter seus interesses preservados de maneira equânime e legalmente exigida.

É certo que os credores sofrerão prejuízos e terão de abrir mão de parte de seus interesses: isso é inerente à própria norma; no entanto, não se pode transferir ônus excessivo a esse lado da balança.

Evidente que a Lei nº 11.101, de 2005 busca, como uma de suas prioridades, estimular a atividade econômica. Segue exemplo de outros dispositivos legais, como os próprios às sociedades de responsabilidade limitada, que, como o próprio nome diz, visam limitar a responsabilidade dos sócios, no intuito de protegê-los e estimulá-los ao empreendedorismo, movendo assim a economia, gerando empregos, riqueza, recolhimento de impostos e o próprio desenvolvimento do país.

Entretanto, o que se percebe é que o referido diploma legal vem sendo usado em desequilíbrio de partes.

As empresas em recuperação judicial, chamadas no meio de “recuperandas”, ingressam com seus pedidos apresentando planos que preveem na prática um alto desequilíbrio na balança, sendo pela via do enorme deságio pleiteado, sendo pela exagerada elasticidade de prazo requerida, ou somando ambos, transferindo ônus excessivo para o outro lado, podendo inclusive comprometer a própria saúde financeira dos credores.

Debruçando sobre as disposições do tão aclamado artigo 47, vemos que o objetivo da lei é viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Deve-se buscar, pelo processo, equalizar os problemas da empresa devedora. É esse mesmo o espírito da lei! No entanto, o que se deve entender é que se deve buscar, por via do processo, equalizar os problemas da empresa devedora, alterando formas de gestão, estratégias comerciais/operacionais, somando-se ao ajuste da melhor forma de se honrar os compromissos assumidos, de modo a se conseguir sim uma desoneração, no entanto, buscando também salvaguardar os interesses dos credores.

A legislação anterior era alvo de demasiadas críticas por ter um procedimento dito como “engessado” e pouco efetivo. A nova lei surgiu com movimento totalmente inverso, dando ampla liberdade aos devedores para ajustarem, da melhor forma, os meios necessários para recuperação da empresa, negociando com seus credores sem haver fixação legal prévia de prazos ou percentuais de pagamento.

Entendeu-se ser esse o modo mais eficaz, pois se trata de situação de cunho econômico, tendo cada caso sua particularidade, sendo necessários, portanto, planos específicos para equacionar as situações de crise.

Todavia, atualmente temos a impressão de que essa liberdade vem sendo usada de forma desvirtuada, onerando-se sobremaneira apenas um dos lados da relação, sendo apresentados planos muitas vezes bem similares ou praticamente iguais, fato que aparenta que a análise econômica global pode estar ficando em segundo plano.

O impacto na economia é preocupante! Situações desse tipo, além de não garantirem efetivamente a sobrevivência da empresa recuperanda, ainda podem trazer impactos no meio financeiro, como aumento nas taxas de juros, diminuição na oferta de crédito e, por consequência, possíveis efeitos cascata, podendo levar também empresas sadias a situações de crise.

A discussão sobre essas questões ganhou contornos ainda mais relevantes após recentes decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo, no sentido de relativizar a soberania das assembleias de credores, determinando a apresentação de novos planos de recuperação, posto que os anteriormente apresentados feriam princípios constitucionais e legais.

Tais decisões foram alvo de duras críticas. No entanto, o que se verifica é que elas podem ter ocorrido exatamente porque o tribunal percebeu o desequilíbrio da balança. Ou seja: pode-se entender que as próprias recuperandas deram causa às discussões sobre a soberania da assembleia de credores, sobre a atuação efetiva dos juízes etc.

O fato é que essas questões forçaram todos que atuam nesse meio a repensar, rediscutir pontos e redefinir posicionamentos, levando alguns a já cogitarem alterações legais de cunho limitador.

Diante desse panorama, o que se espera de todo esse momento de discussões sobre as disposições e princípios da Lei 11.101/05, é que seu uso se firme de modo mais equilibrado, no intuito de promover a recuperação de empresas em crise que efetivamente têm condições reais para tal superação, preservando ao máximo, na medida do possível, os pactos anteriormente firmados, com o fim de se atingir um equilíbrio entre os interesses de devedores e credores, de modo a se preservar o diploma legal, dando sustentabilidade a sua existência e evitando retrocessos.

Fernando Pompeu Luccas é advogado em São Paulo, especialista em direito processual civil pela PUC-Campinas, pós-graduando em direito empresarial pela Escola Paulista de Direito-SP e em recuperação de empresas e falências pela Fadisp-SP

Fonte: Valor Econômico