* Texto de Alexandre Versignassi

No final do século 19, a Europa vivia sob uma moeda única. O emissor dessa moeda, porém, não era o Banco Central Europeu, mas as estrelas. O trabalho das estrelas é basicamente um só: espremer prótons uns contra os outros. As partículas acabam tão apertadas que algumas se fundem. E da união dessas partículas subatômicas nascem novos elementos químicos. Se tiver dois prótons, esse novo elemento é o hélio; com oito, oxigênio; com 26, ferro. Com 79, ouro – a moeda da qual estou falando. O ouro era o euro do século 19.

Bom, todo ouro que existe na Terra foi formado no interior de alguma estrela. E o resto também. Quando a vida de algumas delas chegou ao fim, essas estrelas explodiram, lançando átomos novos pelo espaço. Esse átomos provavelmente passaram alguns bilhões de anos flutuando pelo espaço na forma de nuvens gás e poeira, e acabaram se reunindo neste canto da galáxia, atraídos pelo grande evento gravitacional que foi o nascimento do Sol.
Ao fixar residência nos arredores da estrela que hoje paira sobre as nossas cabeças, esses átomos siderais se reuniram na forma de pedras corpulentas. Hoje você mora em cima de uma delas, a Terra.

Mas existem átomos e átomos. Os de ouro são mais especiais. Quando o Sol explodir, por exemplo, não vai soltar ouro no espaço. Ele é pequeno para padrões estelares – não tem  “força” para construir átomos grandes como os de ouro – vai sair no máximo um pouco de ferro de lá, além de precisamente mil trilhões de trilhões de toneladas de hidrogênio, hélio, lítio, sódio, carbono, magnésio e outros ingredientes de planetas. Ouro não. Nenhum grama sequer.
Ouro só sai de estrelas gigantes, pelo menos três vezes maiores que o nosso amigo. E mesmo as estrelas descomunais produzem pouco ouro – elas só começam a espremer átomos com dezenas de prótons durante seus últimos suspiros, pouco antes de explodir de vez. Isso explica em parte o fato de o ouro ser raro.

Como além de raro é bonito, ele sempre foi moeda. Mas o auge mesmo demorou: veio só no século 19. Cortesia do Império Britânico. A Inglaterra fazia um negócio da China comprando tecidos dos chineses com prata e depois vendendo roupas para os europeus em troca de ouro.  Os navios, tecidos, teares a vapor e vestidos, na prática, eram os intermediários nessa jogada britânica de transformar prata em ouro – às vezes uma quantidade menor de prata em uma maior de ouro… Parece magia, mas é só economia.

Pois bem. Os ingleses exageraram tanto na magia que começou a faltar prata na economia. Mas e daí que falta pão se tem brioche à vontade, certo? “Eles estão sem prata? Que usem ouro”, diria uma Maria Antonieta do bimetalismo financeiro.

Mas não era tão simples. Olha só.

Na Inglaterra, o governo fazia o papel de “Ourives Central” – dava recibos de papel em troca do ouro que entrava em seus cofres, e esses recibos passavam a circular como dinheiro. E que dinheiro, no caso da Inglaterra: por conta da piscina de ouro em que a ilha nadava no século 18, a libra esterlina de fato valia ouro – numa época em que as outras moedas valiam prata, e olhe lá.

Mas o ouro não foi páreo para Napoleão. Na década de 1790 o general francês chamou o resto da Europa para a briga, e a Inglaterra fez o que todo mundo faz quando precisa financiar uma guerra: imprimiu dinheiro ferozmente. Sem lastro. Se a economia britânica fosse baseada em prata, um recurso naturalmente mais abundante, seria mais fácil manter algum lastro para as notas. Mas com ouro era diferente. Por mais que eles tivessem bastante do metal, era impossível conseguir muito mais de uma hora para a outra, simplesmente pelo fato de esses átomos com 79 prótons serem raros demais.

Bom, imprimir dinheiro sem lastro numa época em que as pessoas realmente achavam que o o papel que elas carregavam na carteira valia ouro era um caminho que só podia dar num destino: o da inflação crônica. O Parlamento Britânico sabia disso, e acabou instituindo um comitê para estudar os perigos do dinheiro de papel – era o Bullion Committe, que teve entre seus membros o economista e parlamentar Davi Ricardo, ícone do liberalismo. A conclusão do grupo, enfim, foi a óbvia: a de que deixar o governo imprimir dinheiro sem lastro à vontade era amarrar cachorro com linguiça – a tentação de produzir grana além da conta seria irresistível. E a inflação, inevitável.

O comitê foi instituído em 1810, e 6 anos depois (o mundo girava mais devagar nessa época) a Inglaterra voltava a imprimir só notas com lastro.

Agora uma libra valia 7,3 gramas. E ponto final. Se a coroa quisesse imprimir um milhão de libras em notas de papel, que arranjasse 7,3 toneladas de ouro para guardar em seus cofres na forma de lastro. Era um freio garantido contra a inflação.

Na primeira metade do século 19, só a Grã-Bretanha podia se dar ao luxo de ter um sistema de freios tão caro quanto o padrão ouro. Os outros países, mesmo os mais ricos, usavam moedas de prata ou tinham suas primeiras experiências com notas sem lastro – que quase sempre acabavam gerando inflação. Mas o luxo a que o resto da Europa (e do mundo) não podia mesmo se dar era o de ver seu comércio com a Inglaterra minguar.

Qualquer país que adotasse o padrão-ouro ganharia um lugar na área vip entre os parceiros comerciais da maior potência do mundo – e quem não adotasse acabaria na periferia. Então não demorou (pelo menos pelos padrões da época) para que outras nações embarcassem nesse trem. Canadá e Austrália foram as primeiras, em 1852. Portugal veio logo em seguida, em 1854, tornando-se o primeiro país da Europa continental a adotar o padrão-ouro. Na década de 1870, Alemanha, França, Holanda, Bélgica, Suíca, Suécia, Noruega e Finlândia aderiam também (com alguns desses países mudando o nome de suas moedas para “coroa”, para acentuar o fato de que, sim, agora o dinheiro deles era forte). Depois viriam Estados Unidos, Rússia, Japão, Argentina (tão rica quanto os EUA na época), mais uma leva de europeus – Grécia, Romênia e Império Austro-Húngaro (que ocupava praticamente todo o centro-europeu – e que também mudou o nome da moeda nacional para “coroa”).

Pronto. Era a primeira vez na história em que florescia uma economia mundial completamente integrada, com o ouro no papel de moeda única. Os franceses ainda tinham seus francos, os alemães, seus marcos, e Portugal continuava com o real no papel de moeda pátria (o escudo só chegaria em 1911, valendo “mil réis”). Mas agora cada moeda tinha seu valor fixado em ouro. Como esse valor não podia mudar, o câmbio entre francos, libras, marcos e “mil réis” ficava estático. Na prática, era como se todas as moedas sob o padrão ouro fossem a mesma moeda. Todas estavam protegidas da inflação, já que nenhum governo podia emitir notas sem lastro nem batizar moedas para fazer mais dinheiro com menos metal precioso. Só o ouro agora era dinheiro.

Os países ricos imprimiam seus “vales-ouro”, e esses vales (as notas de libras, francos, marcos e cia) eram aceitas em qualquer transação internacional como se fossem uma só moeda. Estávamos diante de algo inédito. E de uma eficiência ímpar.

O padrão ouro passou a funcionar bem justamente porque o comércio marítimo global estava no auge. Você viu aqui que, numa economia totalmente “metalizada”, a falta pura e simples de metal pode levar a uma recessão – passa a existir menos dinheiro na praça, e quanto menos dinheiro circula, menor o estímulo para produzir. Mas com uma economia globalizada era diferente. Se um país começava a ficar sem ouro – seja porque suas minas não produziam mais, seja porque ele importava mais do que exportava, e acabava pobre – ele entrava num processo recessivo. A recessão fazia baixar os preços no mercado interno. E isso tornava os produtos desse país mais atraentes no mercado externo. Ele começava a exportar mais, recebia seu pagamento em moedas que valiam ouro – e acabava mais rico.

O oposto também vale: se uma nação estivesse enriquecendo demais, ela sugava o ouro dos outros países. A quantidade de metal precioso no mercado interno crescia. Isso alimentava uma inflação. Os produtos desse país acabam mais caros. E aí o fluxo de ouro mudava de direção: a população do país rico passava a importar mais. Um sistema de vazos comunicantes  aflorava naturalmente, auto-regulando a economia. Parecia bom demais para ser verdade.
Mas era verdade. A estabilidade que o padrão ouro proporcionava serviu de combustível para um boom do comércio global. Entre o final do século 19 e o começo do 20, os países envolvidos viram suas economias crescer como nunca. Até que aconteceu o de sempre: algo completamente inesperado.

Quando o som dos tiros que mataram o arquiduque Francisco Ferdinando em 28 de junho de 1914 ainda fazia eco em Sarajevo, a bolsa da Áustria, terra do arquiduque, desabava. Londres, Paris, Berlim e Nova York tombaram em seguida. Os investidores agiram como gaivotas, que param de voar quando sentem que uma tempestade está vindo. E que tempestade: em 28 de julho a Áustria invadia à Sérvia, abrindo oficialmente os trabalhos da Primeira Guerra Mundial.
O conflito bagunçou a economia do ouro. Para bancar os esforços de guerra, praticamente todos os países passaram a imprimir dinheiro sem lastro loucamente. Não bastasse isso, viram o ouro sumir de suas fronteiras. Grandes investidores, que supriam o Estado com o ouro que ele precisava para garantir o valor de suas notas, buscavam países neutros que servissem de porto seguro para o metal amarelo. Holanda e Suécia receberam tanto ouro que tiveram de suspender as compras para evitar inflação – uma inflação chique, resultado de ouro em excesso, mas ainda assim inflação.

Nos países metidos na guerra, não teve muito jeito: a inflação bateu mesmo. Os preços dobraram nos Estados Unidos e na Inglaterra, triplicaram na França e quadruplicaram na Itália. Quando a guerra terminou, em 1918, a maior parte das nações estava com a economia tão bagunçada que não tinham mais como voltar à paz do padrão-ouro. Os dois maiores até voltaram – mas tiveram que abrir mão pouco mais de de dez anos depois como parte de outro esforço de guerra – aquela contra a Grande Depressão.

Depois disso, nunca mais. Até que chegou o euro.

Não podia dar errado. O euro trazia de volta o que o padrão-ouro tinha de melhor: proteger contra a inflação. Mas deixava de lado o que o velho sistema tinha de pior: o problema de depender de um recurso tão escasso quanto o ouro. Uma moeda, para ser algo digno desse nome, precisa se manter como algo relativamente raro. Tão raro quanto o ouro? Às vezes sim, se a pressão inflacionária for forte demais. Só que muitas vezes não.
Se a produção de bens e serviços aumenta mais rápido que a de ouro, a falta de moeda no mercado trava o crescimento. A economia fica estagnada por falta de moeda. Pior: se bate uma recessão, o Estado não tem como combatê-la injetando dinheiro novo na praça. Por isso a fase áurea do padrão ouro não suportou a Primeira Guerra. Já o euro, nascia à prova de bombas. Se por algum motivo a Europa precisar de mais euros, o Banco Central pode ir lá e imprimir.
E ele foi prolífico nessa tarefa, inclusive. Em janeiro de 2002, existiam 221 bilhões de euros em circulação na forma de papel-moeda. Em 2011, estávamos em 857 bilhões. Com ouro, não teria como acontecer nada parecido – só se outra estrela gigante explodisse!

 

 

Mas quem explodiu foi o sistema financeiro da europa… Para entender como esse problema começou, temos que olhar para a essência do euro. E o melhor jeito de fazer isso é, primeiro, olhar para a essência do dinheiro moderno.

As moedas de hoje têm um lastro, sim. Ele é aquilo que o país produz. Para medir o quanto o país produz, a gente olha para o PIB, certo? Então vamos lá: o da Alemanha é de 2,3 trilhões de euros. O de Portugal, Espanha, Irlanda e Grécia, juntos, dá 1,5 trilhão – sendo que a Espanha sozinha responde por 1 trilhão.

Quando não existe uma moeda única, as coisas são bem simples: a moeda do país que produz mais tende a ser a mais valorizada. Até outro dia você precisava de marcos alemães para comprar uma Mercedes (não você exatamente, mas a concessionária). Mercedes é um produto caro e requisitado. Então o marco alemão também era requisitado – e por ser requisitado era caro. Você precisava de um bocado de escudos, pesetas ou dracmas para comprar um único marco alemão.

Toda nação faz dívidas para pagar as despesas do dia-a-dia. E faz essas dívidas tanto com cidadãos e bancos do próprio país como com cidadãos e bancos de outros países. Quanto mais o país produz, menos juros ele tende a pagar por essas dívidas. Natural. É com a grana dos impostos que um países paga seus débitos. Então, como sempre tinha alguém no mundo dando marcos alemães em troca das Mercedes e BMWs, e uma parte desses marcos ia para o governo germânico na forma de impostos, nunca faltavam marcos para pagar as dívidas que o estado tinha feito. E a Alemanha se dava ao luxo de uma vida confortável: conseguia levantar quanto dinheiro achasse necessário pagando uma miséria por isso.

Para os países do mediterrâneo as coisas eram mais complexas. Eles precisavam pagar juros maiores para financiar as despesas do dia-a-dia, já que a demanda por seus produtos era menor – lógico: pastéis de Belém, ingressos de tourada e azeite extravirgem não são tão caros e requisitados quanto Mercedes, BMWs e Airbuses.

Nisso a capacidade de pagar dívidas ficava comprometida, pois não entravam tantos escudos, pesetas ou dracmas na forma de impostos.
Mas e aí? Se não entrassem escudos, pesetas ou dracmas em quantidade suficiente para quitar o que o governo devia lá fora, o que acontecia? Portugal, Espanha e Grécia davam calote? Não: imprimiam mais dinheiro e pagavam. Isso gerava inflação, claro. “A moeda enfraquecia”, como dizem os economistas. Enfraquecia porque agora havia mais escudos, pesetas e dracmas no mercado, e a quantidade de pastéis de Belém, ingressos de tourada e garrafas de azeite extra-virgem continuava a mesma.

 

 

Na rua, esse processo se manifestava na forma de aumentos nos preços dos pastéis de Belém, ingressos de tourada e garrafas de azeite, mas isso é só um reflexo de algo maior – a desvalorização da moeda. A produção é o lastro da moeda, certo? Então não tem erro: não aumentou a produção, a moeda perdeu valor. Tchau.

Como esses dinheiros perdiam valor com uma certa frequência (sempre que o governo corria para as impressoras para pagar suas dívidas), ficava mais difícil conseguir novos empréstimos.

Aí o jeito era oferecer juros maiores ainda para ver se aparecia quem emprestasse. Nisso a dívida ficava ainda mais difícil de pagar… E começava tudo de novo: o governo imprimia mais dinheiro para não dar calote…. Uma forma muito saudável de gerir a economia – só que ao contrário.

Com o euro, veio o contrário, que parecia ser o certo. Os países menores ganharam uma moeda forte, enquanto a Alemanha perdeu o privilégio de produzir da forma que bem entendesse o seu próprio dinheiro (que em si já era uma mercadoria valiosa).

A vantagem para os mais pobres era óbvia. As moedas nacionais agora serviam, elas próprias, como vales para comprar Mercedes e BMWs. E isso permitiu algo bem mais interessante do que aumentar o grau de germanização das frotas mediterrâneas: agora as nações menores faziam suas dívidas em vales-mercedes. Ou seja: podiam pagar juros bem menores.

Os credores não estavam mais lidando com moedas “fracas”. Estavam emprestando para países que recebiam seus impostos numa moeda forte, fortíssima. Uma moeda lasterada pela capacidade de produção de toda a Zona do Euro – a “nação” com o maior PIB da história desta rocha grande chamada Terra (US$ 16 trilhões em 2010, contra US$ 14 trilhões dos EUA e US$ 6 trilhões da China). Show.

Agora o crédito estava fácil – e isso financiou uma pequena era dourada das economias menores. Logo nos primeiros anos do euro veio o boom da construção civil em Portugal e na Espanha. A Irlanda, que já vivia uma forte expansão econômica desde 1995, virou o “tigre celta”. O ritmo de crescimento do PIB da Grécia triplicou…

 

Bom para os países mediterrâneos, melhor para a Alemanha. É que eles são exportadores massivos. Um terço do PIB é na forma de produtos vendidos para fora. Isso deu 750 bilhões de euros em 2010. Portugal, para você ter uma ideia, exportou 32 bilhões (um quinto do PIB) no mesmo ano; a Grécia, 14 bilhões (um quinze avos).

Se a maior parte da Europa já era cliente da Alemanha, com a moeda única virou freguesa devota. As exportações germânicas mais do que triplicaram entre o início do euro e 2008, o último ano antes da crise: de 415 bilhões de euros para 1,3 trilhão.

Trocando em miúdos, era como se o países menores estivessem tomando dinheiro emprestado a juros baixos para comprar da Alemanha. Portugal, Espanha, Grécia e companhia experimentavam um belo salto no poder de consumo, já que os juros baixos no mercado externo se refletiam em juros baixos – e maior capacidade de compra – para a população toda.

Se esse fenômeno tivesse seguido aquela lógica de vazos comunicantes do padrão-ouro, aconteceria o seguinte: a a demanda forte pelos produtos alemães faria os preços subirem por lá. Isso deixaria a indústria dos países mediterrâneos mais competitiva. O fluxo de consumo se voltaria para os mercados internos. A produção nos países mais pobres cresceria – seus PIBs engordariam, e eles acabariam genuinamente mais ricos.

Mas não. Os países mediterrâneos se acostumaram com o fluxo de dinheiro fácil – cortesia prinicipalmente de banqueiros alemães e franceses, que emprestavam sorridentemente para qualquer país disposto a pagar qualquer 1% a mais de juros do que a Alemanha ou a França pelos euros dos seus cofres. Esse dinheiro até engordou as economias menores. Mas o crescimento da indústria foi menor do que poderia. Em vez de fomentar a produção interna, o dinheiro extra fez com que as pessoas e as empresas basicamente passassem a comprar cada vez mais da Alemanha – mérito também da qualidade dos produtos germânicos, já que ainda não existem versões portuguesas, espanholas ou gregas das Mercedes, BMWs e Airbuses que saem das latitudes mais altas.

Era uma situação insustentável. As dívidas antigas estavam sendo pagas com dívidas novas. Conforme ia ficando claro para os banqueiros do norte que as economias periféricas tinham entrado num ciclo vicioso, os dinheiro novo ficava mais caro. Quem quisesse mais euros, que pagasse mais juros. Em 2011, Portugal, Grécia e Irlanda já estavam pagando acima de 10% a mais do que a Alemanha por empréstimos. Espanha e Itália, que até o início de 2010 pagavam basicamente os mesmos juros que os alemães, passaram a ter de desembolsar 4% mais que eles. Mesmo a França viu a diferença subir de zero (e eventualmente abaixo de zero) para a faixa de 1%.

O euro começava a valer ouro. Não bastava mais oferecer juros altos – boa parte dos bancos não queria correr o risco de emprestar para países na corda bamba por juro nenhum deste mundo. E agora, José?

Bom, no tempo do escudo e do dracma, a saída seria apelar para a impressora de dinheiro. Mas agora essas máquinas ficam em Frankfurt, sede do Banco Central Europeu. O jeito, então, era cortar da própria carne. Sem ter como fabricar dinheiro nem arranjar emprestado para cobrir os próprios gastos, que se cortem os gastos. E aumentem-se os impostos. Em outras palavras: a população que pague a conta. E num país como Portugal, onde 12,5% da força de trabalho está no funcionalismo público, esse pagamento de conta pode ser ainda mais doloroso – são 700 mil empregos ao alcance direto da tesoura do governo. Para piorar, cortes de orçamento passaram a ser o preço do dinheiro – já que o FMI e o Banco Central Europeu exigem “medidas de austeridade” para abrir a carteira. Quanto mais austeridade, porém, menos dinheiro flui pelas veias e artérias da economia, e isso é um problema em si. O remédio pode ser pior do que a doença.

Por isso mesmo, a ideia do fim do euro deixou o reino da fantasia e passou a ser uma hipótese real. Momento trágico para uma história tão nova – recente a ponto de ainda existirem 36,5 bilhões escudos nas casas dos portugueses, o equivalente a 182 milhões de euros. Mas em vista dos últimos acontecimentos, manter uma reserva em moeda antiga debaixo do colchão nem parece algo tão irracional.