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*Texto do Promotor de Justiça Fernando Vasconcelos

O tema "censura judicial" causa polêmica e está longe de ser ponto pacífico.

No mundo contemporâneo a liberdade de imprensa configura pressuposto do Estado Democrático de Direito e forma de materialização do direito fundamental à informação. No Brasil, com a consolidação democrática, simbolizada pela promulgação da Constituição Federal em 1988, a liberdade de imprensa e o direito à informação ganhou status nunca dantes obtido, tendo sido assegurando a livre manifestação do pensamento, a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença e assegurado a todos o acesso à informação

Ocorre que, mesmo diante da liberdade de imprensa assegurada pela Constituição Federal, tem ocorrido, com certa frequência, a censura determinada por decisão judicial, levando a uma discussão nos meios jurídicos e jornalísticos sobre até que ponto pode ocorrer tal tipo de medida ou mesmo se ela é possível. O caso mais conhecido é a censura imposta ao jornal O Estado do São Paulo, que ficou proibido de divulgar dados e informações sigilosas sobre o investigado Fernando Sarney.

Assim, o tema “censura judicial” causa polêmica e está longe de ser ponto pacífico, havendo diversos posicionamentos jurídicos sobre a possibilidade e limites de tais medidas. Normalmente, a existência de determinação judicial impondo censura a órgãos de imprensa decorre do conflito entre direitos fundamentais (Direito de informação X direito à honra, imagem, presunção de inocência, etc.), sendo certo que não existe consenso sobre quais seriam os critérios e princípios preponderantes para resolver a colisão que se estabelece entre tais direitos e garantias fundamentais, sendo a questão vista caso a caso.

É inegável que muitas vezes a divulgação de informações de forma açodada e sem a checagem necessária, pode gerar prejuízos irreparáveis à reputação, a imagem e ao patrimônio das pessoas, lembrando-se aqui os célebres exemplos da Escola de Base e do ex-deputado Ibsen Pinheiro.

É evidente que se deve levar em conta que a dinâmica jornalística é diferente da dinâmica processual, embora, em regra, ambas busquem o mesmo fim, qual seja, a apuração da verdade. No processo para punir, na imprensa para informar. No judiciário busca-se a verdade através do devido processo legal, já no jornalismo a verdade é buscada com foco na  instantaneidade da informação, na busca do furo jornalístico. Ambas as formas são legítimas e essenciais ao estado democrático, afinal o devido processo legal está para o direito, assim como a divulgação da informação está para a imprensa, não tendo esta, evidentemente, como esperar o trânsito em julgado de uma decisão para publicar os fatos. Impedir essa divulgação, na maioria das vezes, significa retirar do cidadão o direito à informação, em consequência, a liberdade de imprensa.

Cabe assim, numa espécie de autorregulamentação, aos órgãos de comunicação, no exercício de sua liberdade de imprensa, checar suas informações, procurando apurar com responsabilidade e ética a verdade dos fatos, sendo legítimo ao judiciário, ao nosso pensar, somente proibir a divulgação de informações que ofendam indevidamente direitos individuais, personalíssimos e íntimos que efetivamente, quando tais informações  não interessem à coletividade. Entretanto, tratando-se de pessoas públicas e de fatos relacionados com o interesse público, não se justifica a censura de nenhum modo, quando tais fatos, obviamente, forem verdadeiros.

Vê-se assim que o problema não é simples e que não existe solução pronta para resolvê-lo. Cada caso deve merecer um tratamento específico, sempre se ponderado os interesses e direitos individuais da pessoa investigada e o direito a informação, devendo prevalecer, em regra, o interesse público. Nessa perspectiva, o Poder Judiciário jamais pode ser comparado com o antigo  censor do regime militar, já que age dentro dos limites constitucionais e no Estado Democrático de Direito, visando solucionar conflitos e assegurar direitos fundamentais, diferentemente do censor da ditadura militar que servia unicamente ao interesse de um regime autoritário, sem qualquer controle. Evidente que podem ocorrer decisões equivocadas, as quais devem ser objetos de recursos, como é próprio do regime democrático.

Em suma, apesar de possível, a censura judicial somemte deve ser utilizada com extrema cautela e apenas para garantir direitos fundamentais que, na ponderação de valores, possam, em algum momento, preponderar sobre o direito à informação. Como disse o pensador francês Alexis de Tocqueville em ‘A Democracia na América’, a independência da imprensa constitui, em muitos lugares, “a única garantia que resta da liberdade e da segurança dos cidadãos”. No Brasil, se não fosse a força da mídia, inclusive as redes sociais, muitos escândalos não teriam sido descobertos e muitos direitos haviam sido sonegados ou retirados dos cidadãos. Portanto, a liberdade de imprensa de forma ampla, deve ser a regra, somente podendo ser afastada em casos excepcionais em nome do interesse público ou em razão de outro direito fundamental intransponível.